22 de abril de 2018

O amor se inventa no gerúndio do verbo

Que pode uma criatura senão,
entre criaturas, amar?
amar e esquecer
amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados, amar?

Carlos Drummond de Andrade, Amar, 
em: Antologia Poética, 1989

Que pode alguém senão amar? É Drummond quem pergunta. Achei-o sem quererquerendo. Bem na hora. No instante em que tinha você comigo. Escolhi-o porque o título diz muito de nós. Poderia ter parado nele. Já se vê que há um  poema interminável no verbo. Amar. Amar você, não uso muito as palavras, eu sei. Desperto em verbo, ação, ato, você sente? Não tenho dúvida do que faço, pergunto porque recentemente você vem treinando cobrar. 

Um galego na porta de casa com recibo na mão perguntando se a dona [da casa] está. Ela sempre está. Pode não ser como o galego espera, mas está. A dona tem algo que o galego quer receber pagamento em troca. O galego vai, cobra, finge entender, depois volta. Até que ele cansa. Ir e voltar é não sair do lugar, deve cansar mesmo. Então, começam as ameaças de retirar o produto. A dona da casa... devolve. O galego vai e vende para outra esperando receber o que ele imagina que deve receber quando ele quer receber. E o galego... vai de casa em casa com o produto. Que é dele.

Você não é o galego. Também não sou dona. Não imaginemos produto. Você é você de olhos vidrados. Que me ama. Eu sinto você me amando. Não há dúvidas: amar diz de nós. Não se trata de dar e receber algo. Ou dar e dar. Ou receber e receber. Se trata de inventar. Somos inventores de amor. Como? Amando. Assim, no gerúndio, em instantes de acontecimento inventamos. Temos ciência e nos escapa entre os dedos o próximo encontro, pois não há previsão para o que é vivo. Olhando para trás podemos ver que criamos nossa história. Olhando agora: amamos amando. Com toda a infinitude que permite o verbo.